terça-feira, 21 de outubro de 2014

meninos, tragam os refrigerantes.

Meninas, para a festa vocês devem trazer algum prato de comida.

Imaginemos uma festa escolar. No dia, era certo que a Júlia levaria a esplendida pizza de calabresa caseira que sua avó fazia e que o Matheus levaria o refrigerante mais barato da padaria (comprado minutos antes do horário marcado) porque parte do dinheiro que o pai deu para a Coca-Cola fora gastado com o ioiô de última geração, também comprado na padaria. Mas a questão não é a qualidade do que será consumido sábado na festa do colégio às nove da manhã, tampouco a facilidade com que o Matheus comprou o refrigerante meia boca e o trabalho que a avó da Júlia teve para preparar a pizza. Mas porque a teve de levar a pizza e o Barriga comprar um refrigerante?

Claro, por que não fazer as meninas levarem os doces ou os salgados? Afinal, é tão normal dividir as tarefas assim. Minha professora fazia assim, a professora da professora da professora dela também fazia assim. “Ah, as meninas têm mais facilidade com a cozinha, mais proximidade” (mesmo elas tendo oito, nove, dez anos). “Ora, faz mais sentido ser desse jeito. Onde já se viu botar um menino para levar comida uma coisa [que a menina tem de aprender a fazer mais cedo ou mais tarde] tão doméstica”. “Ah, é algo tão inocente”, minha avó, a mãe do meu pai, cisma em dizer, “vocês feministas que veem maldade em tudo, são revoltados com o mundo”. Pra ela é fácil dizer, só tinha de comprar o refrigerante para o meu pai e meu tio levarem para a escola. Já minha mãe não, sempre questionou o porquê disso. E ela não discordava dessa divisão de tarefas pela sintaxe do negócio, e sim porque eu tenho uma irmã... Mas coitada da minha mãe: mãe solteira, com três empregos e pressa. Não tinha tempo de fazer uma pizza de calabresa caseira. Logo, minha irmã era a única que levava refrigerante e um bilhete (escrito com as letras desenhadas da minha mãe) dizendo “desculpas, mas não tive tempo de preparar nada”.

Acho que eu era o único menino que não queria levar refrigerante. Só não tinha coragem de enfrentar minha mãe para consertar algo que estava claramente errado. As crianças deviam escolher levar as coisas que quisessem ou que os pais podiam fazer ou pagar. Cara, fazer uma menina a levar algo mais trabalhoso, caseiro, detalhado é tão antiquado. Como se ela fosse obrigada a cozinhar. Isso se assemelha a dar uma mini cozinha para ela fingir que cozinha para sua filhinha (uma boneca branca, importante ressalta), ou uma vassourinha para que ela varra sua casa imaginária. Enquanto isso, o menino dirige sua réplica adaptada de Ferrari, constrói verdadeiras mansões de Lego porque seus pais enchem seus ouvidos com um diário “você será um engenheiro”, o menino é estimulado a ser rico, provedor e ostentador de boas coisas. “Ah, os brinquedos são para ajudar no futuro da criança, né?” E que belo futuro...

“Minha mãe, vai me matar” eu pensava desesperado enquanto assinava meu nome ao lado do sanduíche de sardinha. Estava cansado de levar refrigerante. Quando cheguei em casa e expliquei porque tinha escolhido aquilo, minha mãe entendeu, me abraçou e me ajudou a montar os sanduíches, mesmo cansada do trabalho, que fique claro.

“Escolas, deixem as crianças escolherem o que querem levar. Não determinem nada, por favor. O sexismo infelizmente já é em ensinado casa, não precisamos de vocês dando aula disso. Na verdade, na verdade, se querem dar uma festa, vocês deviam pagar tudo.” 

Um comentário: